Com uma narrativa visceral e irônica, Eberth Vêncio lança ‘Bipolar’

Na psicologia, a bipolaridade é classificada como uma mudança repentina de humor. No entanto, o novo livro do médico, empresário e escritor Eberth Vêncio mostra que o termo pode ter outras conotações. Com lançamento nacional agendado para a quinta feira, 7, em Goiânia, “Bipolar” (140 páginas, Editora Caminhos) é uma coletânea das melhores crônicas do autor publicadas na “Revista Bula”, ao longo de mais de dez anos.

Com um olhar pessimista e desiludido sobre pequenos e grandes acontecimentos, mas com uma narrativa visceral e irônica ao ponto de provocar o riso, Eberth Vêncio demonstra que a tristeza e ausência de esperança pode virar entretenimento.

 “Eu procuro retratar o meu sentimento com as coisas que eu vejo acontecendo. Como me deparo mais com situações negativas do que positivas, não tenho muito otimismo em relação ao ser humano em vários sentidos. Me deixo contagiar por esse negativismo, mas tento narrar os acontecimentos com a maior leveza possível”, explica o escritor.

A receita para essa interlocução entre duas características aparentemente contraditórias, ele explica: “Utilizo bastante ironia, sarcasmo, deboche da situação e até humor negro em relação às coisas pessimistas que escrevo”.

O livro será lançado no Restaurante Cateretê, localizado no Jardim Goiás, das 18h30 às 22h30. Interessados em comprar o livro, mas que não puderem comparecer ao lançamento, poderão realizar a compra pelo site da Editora e Livraria Caminhos. Os livros estarão à venda a partir do dia 8 de dezembro.

Sobre o autor

Eberth Vêncio (1965) é empresário, médico e escritor. Sua estreia literária aconteceu em 1999, com o livro “Faz de Conta Que Somos Felizes”. Participa de dezenas de antologias, com destaque para “Os Melhores Textos da Bula”, publicada em 2017. “Bipolar” é a segunda publicação individual do autor.

Confira a entrevista com o autor:

Você é um dos colaboradores mais antigos da “Revista Bula”. Seus textos foram lidos e compartilhados nas redes sociais centenas de milhares de vezes. Apesar de acabar com isolamento geográficos editorial, as redes sociais tem sido alvo de intenso debate, sobretudo pelo fato de ser um grande vetor de disseminação de mentiras, as chamadas Fake News. Em linhas gerais, na sua opinião, está mudança comportamental gerada pelas plataformas sociais foi benéfica?

Melhorar a comunicação entre as pessoas sempre é louvável. O problema é que a liberdade completa para expressar pontos de vista criou e está criando verdadeiros monstros. Há muita crueldade nas redes sociais. Muitos dizem tudo o que vem à cabeça sem medir as consequências. Uma vez que o ser humano tem a tendência inata para disseminar injúrias e desgraceiras, esse campo virtual anda minado demais, um inferno. Não vejo como amenizar tanta atrocidade verbal.

Como autor, você é da ala dos inspirados ou dos construtores?

A inspiração existe, mas é rara e vem quando lhe dá na telha. Aprendi a construir, por pura necessidade. É muito mais trabalhoso e as chances de dar errado aumentam. Nada como aquela boa e velha ideia que surge do nada e se transforma num texto quase perfeito. Meus melhores textos foram movidos por inspirações poderosas. No meu caso, estimo 10% de inspiração e 90% de muita transpiração.

Quais autores te influenciaram e o qual o seu livro de cabeceira?

Nunca fui um leitor contumaz. É preciso confessar que fui um adolescente relapso e preguiçoso que lia apenas por obrigação. Isso está me custando caro até hoje, pois perdi um tempo precioso. Monteiro Lobato me ensinou a sonhar; Fernando Sabino me divertiu; Carlos Drummond foi e continua sendo o maior ícone literário para mim; Machado, o professor. Aprendi a delirar, sem perder a compostura, com as histórias extraordinárias de José J. Veiga. Acho que “O Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa foi o livro transformador. É uma obra incrível.

Vinicius de Moraes estava errado: é mais fácil ser triste do que alegre?

Vinicius não disse que era fácil. Ele disse que era melhor ser alegre que ser triste. Concordo com ele. Morro de inveja de gente alto astral, pessoas que estão quase sempre radiantes. Elas me contagiam e me deixam também envergonhado, pois, acabo sacando que posso fazer melhor do que tenho feito. Carrego o grave defeito de sofrer por antecedência e de nutrir um sentimento nada otimista em relação ao ser humano. A história da humanidade é uma prova cabal de que o homem não tem conserto. Porém, em respeito e admiração àqueles que fizeram e fazem um esforço hercúleo para transformar o mundo num lugar melhor para se viver, estou tentando mudar a minha visão particular e derrotada das coisas, mas, não está fácil. E não adiante insistir: não vou fazer análise.

Tem uma série de entrevistas suas (como entrevistador) publicadas na “Revista Bula”. Qual a primeira pergunta faria para Deus se fosse escalado para entrevistá-lo?

 Para que tanto mistério?

A poesia se tornou um gênero literário menor?

Não. Não existe nada maior do que a poesia. Juntamente com a música de qualidade, ela é insuperável, redentora e salva vidas, como a minha, por exemplo.

 

TRECHO DO LIVRO “BIPOLAR”

“Pode soar falso. Pode parecer frescura. Pode ser que eu seja mesmo um fofo. Na verdade, eu confesso que tenho muita dificuldade para lidar com os elogios. Eu simplesmente me embanano todo, perco o rebolado. Vocês supõem saber quem eu sou. Mas, vocês não me conhecem. Portanto, é chegada a hora de entenderem um pouco mais a meu respeito, se é isso que lhes interessa mais do que uma cólica renal no meio de um feriado prolongado. Vou ser curto e grosso. Vou dizer tudo o que sei de mim. Daquilo que eu não sei, voaremos juntos, burros feitos uma porta. Pra início de conversa: não sou essa Coca-Cola toda que vocês estão pensando. Eu pareço culto. Eu não sou tão culto assim. Eu não resistiria a meia hora de exumação dos clássicos da literatura com os imortais mais vaidosos de uma academia de sopa de letrinhas. Pior que tudo, a memória trai-me a todo instante. Não me lembro dos nomes dos livros, dos autores consagrados, dos protagonistas marcantes, das gororobas que comi hoje no almoço, dessa mulher deitada ao meu lado. Eu juro, meu amor: não é nada disso que você está pensando. Percebem? O meu caso é ainda mais grave que a queda do trema.”

SERVIÇO:

Lançamento do livro “Bipolar”, do escritor Eberth Vêncio

Data: 7 de dezembro, quinta-feira

Horário: 18h30 às 22h30

Local: Restaurante Cateretê, localizado na Rua 52, nº 357, Jardim Goiás (próximo ao K Hotel)

Contato: (62) 3877-7787

Acesso gratuito

Amamentar em público exige muito peito das mulheres

Amamentar em público exige muito peito das mulheres

Crônica por Eberth Vêncio – médico, empresário e escritor.

Meu avô era tido e havido como um piadista, um gozador, um incorrigível demolidor de inhacas. Reza a lenda que, a despeito do espírito quase sempre desarmado, ele se armou com um três-oitão e mandou um crápula para o limbo, ao meter na sua fuça uma azeitona de chumbo durante um justo duelo no cabaré, numa época da história em que a maioria dos homens mascava fumo, urinava em pé, honrava os tratos e andava com pistolas dependuradas na cintura. Eram certos tempos brutos nos quais fios de bigode valiam mais do que firmas reconhecidas em cartório.

Pode parecer contraditório, pode parecer grosseiro, pode parecer uma estupidez da minha parte — e claro que é — mas, todas as vezes que eu me sinto invadido por aquele ímpeto primitivo de passar com o carro por cima de gente que não vale o que o gato enterra, fico pensando como seria mais prático ter vivido no tempo das diligências para resolver graves pendengas à bala, em duelos honestos no meio da rua, sob os olhos judiciosos das testemunhas, ao invés de ficar tomando aguarrás diet na companhia desagradável de advogados sinistros que fazem as sobrancelhas. Metrossexuais irritam-me.

Essa história quem contou foi o meu pai. Garanto-lhes que não será uma reles tentativa de fazer piada. Apesar de pertencer à família, tenho mais talento para a tragédia do que para a comédia. Foi assim: vovô morava numa corrutela no interiorzão do Brasil e viajava de Cu do Judas até Curva do Vento dentro de uma jardineira lotada. Numa das poltronas mais à frente seguia uma jovem e bela senhorinha que tentava, sem sucesso, convencer o filho a mamar no peito. Descontrolado, o pimpolho esgoelava como um leitão.

“ — Mama, filhinho! Mama, senão a mamãe vai dar o leite pro gatinho…” , ela blefou. Aquelas palavras foram a deixa para que vovô saísse com mais uma de suas galhofas.

“ — Miau, miau…” , ele imitou, lá do fundo, arrancando gargalhadas dos passageiros. Até a mocinha sorriu da bobagem. Se fosse hoje, o velhote tomaria uma vaia e seria convidado a ir morrer noutro lugar. Caso eu estivesse embarcado naquela condução, acho que riria também. Perdoem-me pelo excesso de senso de humor, leitoras.

O meu editor andava ocioso, ansioso, pernicioso eu diria, e encomendou que eu escrevesse algo a respeito da amamentação em público. Gelei a espinha. Mamar eu não mamava mais. Largara aquele vício incrível tinha bem uns seis meses. Ultimamente, vivia chupando artelhos, que não fazia o mesmo efeito, é verdade, mas remontava à fase oral do irrepreensível desenvolvimento neuropsicomotor da minha primeira infância. Hoje vivo a minha décima sétima.

Confesso que redigi o texto meio nas coxas. Não pesquisei patavina nenhuma sobre amamentação em público. Eu achava o tema óbvio pra dedéu. Pra mim, a hora da refeição sempre fora sagrada. Nada de sexo durante o jantar, sobre a mesa, na frente das crianças. E mais: meus filhos já estavam crescidinhos, de tal sorte que eu andava desatualizado quanto ao lide com fraldas e sutiãs de aba larga.

Ora, amamentar o rebento na frente de estranhos não me parecia uma coisa nada estranha. Era como enfiar o dedo no nariz. São coisas que acontecem. Quando se vê, já foi. Assistir a uma mulher tendo os seios implacavelmente chupados por um sanguessuga de fraudas deixa alguns de vocês constrangidos, indignados, excitados quem sabe?! Isso, sim, soa estranho. Vocês assustam-me.

Se eu parisse gente, se eu fosse uma mulher, não me esconderia em porcaria de canto algum para entupir de leite o buchinho do meu parasita predileto. Se muito, jogaria um pano sobre a cabeça do come-e-dorme, para disfarçar — não me perguntem por que eu disfarçaria —, um ato reflexo, um mero exercício de etiqueta e nada mais. Não faço ideia se existe ou se não existe uma legislação que cuide do assunto. Como eu disse, não tencionava perder tempo com irrelevâncias, embora o editor tivesse me avisado que o assunto era atual, palpitante e fazia ferver as redes sociais com debates quase sempre agressivos.

Se eu possuísse tetas, amamentaria não apenas na praça de alimentação de um shopping center, mas, numa jardineira — se jardineiras ainda houvessem, se vovôs ainda fizessem piadinhas inconvenientes —, num puteiro, o tempo inteiro e em qualquer lugar, na fila, na esquina, dentro da Capela Sistina e até no meio de uma batalha de carnificina.

Eu amamentaria sempre que me desse na telha, ainda que estivesse migrando com refugiados da Síria para um país rico da Europa. Pra mim tanto faz. Bastava que a fome batesse. Eu entendo bem os bebês. Eles têm fome de leite. Eu tenho fome de educação, cultura, respeito, delicadeza e solidariedade. Seria incrível que cada um cuidasse, sinceramente, da própria vida, pois eu soube que Deus anda de saco cheio com tudo isso.

Eberth Vencio