Pesquisadores da UFG descobrem planta com potencial anticâncer em Niquelândia

A nova espécie recebeu o nome de Erythroxylum niquelandense e pertence à família de outras plantas medicinais

Anna Júlia Steckelberg
Por Anna Júlia Steckelberg
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Em meio a uma pandemia, cheia de segredos e incertezas, ocorria uma pesquisa de campo no Legado Verdes do Cerrado, no início do mês de abril. O local é a única reserva particular de desenvolvimento sustentável da região Centro-Oeste. Durante a expedição, um vegetal saltou aos olhos do botânico Marcos José da Silva. A tal planta, após estudos, era uma espécie ainda não catalogada e com potencial fármaco.  

Depois das análises laboratoriais, que justificariam a suspeita categórica do pesquisador, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), batizaram a planta em homenagem a Niquelândia, município goiano onde foi encontrada. A então desconhecida, passou a se chamar Erythroxylum niquelandense e foi introduzida ao universo científico em artigo publicado no início do mês, no periódico Phytotaxa Magnolia Press.

A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) em parceria com a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) e a empresa Reservas Votorantim. A descoberta se deu em uma área da reserva conhecida como Capão do Bandeira, localizada no norte do estado de Goiás, em Niquelândia. O vegetal que foi encontrado estava sob solos argilosos ricos em serapilheira, que é uma camada de material orgânico ou em decomposição presente na superfície de florestas, próximo ao riacho local.

A planta chamou a atenção do professor por seu tamanho. Poucos minutos foram o suficiente para que ele exclamasse, sem hesitar, ao colega que o acompanhava: “Estamos diante de uma nova espécie de Erythroxylum!”. Ela é integrante de um gênero popularmente conhecido como pimentinha-do-mato. Entretanto, ao contrário de outras espécies Erythroxylum, o vegetal não passava de 1 metro e meio. O que intrigou o cientista, que pesquisa a vegetação há quase uma década, foram as folhas grandes e porte de subarbusto.

“É uma espécie de pequeno porte que tem aproximadamente de 70 centímetros até 1,20 metro, diferente da maioria das espécies do grupo, que são árvores”, explicou Silva à revista Galileu..

Outro diferencial atribuído à Erythroxylum niquelandense é que com ajuda de um estereomicroscópio deu para perceber o número elevado de inflorescências (10 a 15 flores) e frutos, estes redondos e avermelhados. Depois de revisar estudos sobre o gênero ao qual pertence o vegetal, pesquisadores do Departamento de Botânica da UFG confirmaram que o achado representava uma espécie ainda não catalogada.

Todavia, segundo o professor, a descoberta pode ir além da descrição de uma planta nova. Isso porque, lembra o cientista, espécies do gênero Erythroxylum costumam produzir substâncias com potencial terapêutico, especialmente no que diz respeito ao câncer. Esse é o caso da Erythroxylum campestre, outra planta do Cerrado cujas folhas, segundo estudo da UFG, podem levar à redução de células tumorais do sarcoma 180, ou “tumor de Crocker”, um tipo de rápida proliferação.

Em todo o mundo, existem cerca de 250 espécies do gênero Erythroxylum , estima-se que haja, só no Cerrado brasileiro, 130 delas. Predominantes nas Américas, essas plantas começaram a despertar maior interesse no século 19, quando foram descobertas as propriedades anestésicas da cocaína, substância presente nas folhas da Erythroxylum coca. No entanto, atualmente, Silva diz que o baixo número de estudos sobre a categoria evidencia que o gênero parece estar longe dos holofotes.

Segundo o botânico, a nova espécie descoberta pode ser a próxima do gênero a entrar para o grupo de plantas com propriedades medicinais contra o câncer, mas experimentos em laboratório são necessários para elucidar a possibilidade. “Como plantas que fazem parte de um mesmo grupo geralmente têm uma ancestralidade compartilhada, nós inferimos que ela também possa ser usada para a mesma finalidade”, explica o professor

Responder a essa incógnita, porém, não é o foco do projeto liderado por Silva. Em vigor desde 2009, a parceria público-privada entre FAPEG, CBA e Votorantim atende outro objetivo: vasculhar a biodiversidade do Cerrado. A partir de análises em campo, pesquisadores de diferentes universidades públicas se dividem para caracterizar não só as plantas, mas também anfíbios, algas, aves e insetos da reserva Legado Verdes do Cerrado.

 

Fonte: Revista Galileu