Conheça o fungo nativo do cerrado que acelera a produção de etanol

Um estudo desenvolvido pela Unicamp constatou que um fungo do nosso cerrado otimiza a produção de biocombustível

Anna Júlia Steckelberg
Por Anna Júlia Steckelberg
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Por essa ninguém esperava, um fungo nativo e abundante que vive no solo do nosso Cerrado brasileiro decompondo restos de plantas apodrecidas pode ajudar o setor sucroenergético a se tornar mais competitivo na produção do etanol de segunda geração.

O estudo veio de pesquisadores do Departamento de Engenharia e Tecnologia de Alimentos da Unicamp que isolaram e sequenciaram geneticamente uma nova cepa, o Acremonium strictum. 

O pequeno organismo apresentou importante capacidade para degradar materiais ricos em carboidratos, como a palha de milho, o bagaço de cana-de-açúcar e até restos de podas de árvores.

Mas porque acelerar esse processo? Veja bem, um dos grandes desafios da produção desse tipo de etanol está na redução das etapas de tratamento da biomassa que demandam altos custos. Atualmente, grande parte das enzimas usadas nesse coquetel são importadas.

Por exemplo, a levedura Saccharomyces cerevisiae, aplicada na fase de fermentação, não consegue metabolizar carboidratos complexos como a celulose e a hemicelulose. Com isso, é necessário incluir duas etapas prévias: pré-tratamento e hidrólise enzimática.

As chamadas celulases têm como função romper ligações convertendo açúcares de cadeia longa em glicose que depois é transformada em etanol. Enquanto o pré-tratamento tem como principal objetivo tornar os açúcares complexos presentes no bagaço da cana-de-açúcar (e outros resíduos agroflorestais) disponíveis no processo de hidrólise enzimática.

Agora haverá uma mudança neste cenário, já que por meio de análises da estrutura do fungo silvestre foram identificadas 775 enzimas envolvidas no metabolismo e degradação de carboidratos complexos. 

Com isso, os cientistas conseguiram fazer modificações na estrutura da Saccharomyces cerevisiae incluindo os genes de interesse isolados do fungo do cerrado. Isso permitiu aumentar de forma considerável a eficiência da levedura na degradação da biomassa lignocelulósica, dando à ela um arsenal para a produção das próprias enzimas celulolíticas.

Para você entender, a modificação genética usou vetores para superexpressar as enzimas dentro da Saccharomyces cerevisiae. Para isso, foram aplicadas vetores de expressão auto-replicantes para levar os genes que contém a “maquinaria genética” de produção das proteínas até a levedura.

O estudo gerou o depósito de uma patente e de um certificado de adição no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) que estão disponíveis para consulta e licenciamento no Portfólio online de Patentes e Softwares da Unicamp.

No primeiro invento, foram usados dois vetores distintos. Enquanto o segundo documento descreve um aperfeiçoamento no qual as duas enzimas foram clonadas em um único vetor. A levedura recombinante foi testada em temperaturas superiores à considerada ideal do processo.

A nova tecnologia também surge como uma alternativa viável para reduzir o efeito de inibição enzimática provocado pelo substrato. Em altas concentrações, o produto da hidrólise enzimática pode ser tóxico para suas respectivas enzimas.

Quando a fermentação e a hidrólise enzimática ocorrem ao mesmo tempo, no mesmo recipiente, evita-se o acúmulo dessas substâncias. As enzimas hidrolisam os polissacarídeos em açúcares e estes são imediatamente consumidos pela levedura para a produção de etanol. 

Com isso, a nova tecnologia também consegue reduzir a concentração de microrganismos contaminantes que podem afetar o rendimento da fermentação.

“Se a levedura consegue consumir açúcares maiores além da glicose, o processo de hidrólise não precisa ser tão intenso. Ele vai liberar os açúcares mais complexos, a levedura vai hidrolisar por si mesma, ganhando vantagem fermentativa em relação aos contaminantes que são atraídos pela glicose”, diz Dielle Pierotti Procópio, pesquisadora e inventora.