Matéria do The New York Times critica o descaso com a arquitetura histórica de Goiânia

Simon Romero esteve na capital goiana e se surpreendeu ao encontrar nas ruas tamanha bagagem histórica e tão pouco cuidado

Paloma M. Carvalho
Por Paloma M. Carvalho
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O jornal estadunidense The New York Times publicou matéria nesta segunda-feira, 9, em que critica a falta de preservação da arquitetura histórica de Goiânia, conhecida como Art Decó. A publicação intitulada ‘A decadência do sonho do Art Déco no coração do Brasil’ é assinada por Simon Romero, que esteve na capital goiana e se surpreendeu ao encontrar nas ruas tamanha bagagem histórica e tão pouco cuidado.

Simon Romero se refere ao Grande Hotel, ao coreto da Praça Cívica e ao Teatro Goiânia como jóias Art Decó, e lamenta o desaparecimento do que chamou de “grandeza dos anos 1930” devido à construção de edifícios e pichações. 

“(…) Não pude deixar de me perguntar como seria Goiânia se tivesse preservado mais de suas primeiras criações arquitetônicas. Poderia se assemelhar a Asmara, a capital da Eritréia fechada no Corno de África, conhecida pelos seus bens preservados tesouros Art Déco construídos pelos ocupantes italianos nos anos 30? Ou como um Miami Beach nas savanas do Brasil?“, pontua Romero. 

 

Confira o texto de Simon Romero, do NYT, na íntegra: 

Em uma recente visita a Goiânia, uma cidade movimentada que se destaca por sua influência no cinturão de fazendas do Brasil, eu não esperava tropeçar em joias Art Deco. Mas lá estavam eles, em meio a espaçosos parques, praças e avenidas arborizadas: uma estação de trem, um teatro, um palácio, alguns edifícios governamentais.

No entanto, essa grandeza dos anos 1930 – quando Goiânia foi fundada como um exemplo de cosmopolitismo voltado para o futuro no interior do Brasil – desapareceu. Os edifícios do marco foram rasgados para baixo para dar forma a torres indescritíveis, e os grafites envolvem muitas estruturas.

Alguns brasileiros anulam Goiânia, longe de São Paulo e Rio de Janeiro, como sua versão do país de passagem aérea do Centro-Oeste. Mas a agricultura e a pecuária geram grande parte da riqueza do país e influenciam a cultura brasileira atualmente, mesmo que a região às vezes negligencie sua própria história complexa e sofisticada.

Os criadores de Goiânia imaginaram a cidade como um posto de civilização que precede a chamada Marcha ao Ocidente que começou em 1940 e priorizou a colonização do vasto interior do Brasil. Brasília, a capital federal futurista inaugurada em 1960, foi talvez o exemplo final desse impulso.

Conforme previsto pelo arquiteto pioneiro Attílio Corrêa Lima, Goiânia parece ter tido uma sensação mais convidativa do que o austero modernismo de Brasília. Aqui está o mesmo gazebo no início da década de 1940, quando Goiânia foi planejado para apenas 50.000 residentes.

Mais de 1,4 milhão de pessoas vivem agora em Goiânia, que está surgindo como um bastião dos pontos de vista conservadores que remodelam a política brasileira. Com suas cavernosas churrasqueiras e clubes com o sertanejo universitário, Goiânia exemplifica as aspirações de pecuária de grande parte do coração do Brasil.

Alguns marcos persistem, embora em com marcas de grafite respingado, como o Grande Hotel.

O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss ficou no hotel em 1937, descrevendo-o como “uma caixa quadrada de cimento, com o aspecto de um terminal aéreo ou de um forte em miniatura; alguém pode tê-lo chamado de bastião da civilização”.

Em seu célebre trabalho, “Tristes Tropiques”, Lévi-Strauss se perguntava por que os líderes brasileiros estavam “agarrando o deserto” para construir a cidade ao invés de levantar o antigo Capitólio Goiás Velho, fundado em 1727.

O que ele poderia fazer agora de Goiânia, com os desenvolvedores demolindo edifícios Art Déco, substituindo-os com os altos algarismos indescritíveis que ocupam cidades ao redor do Brasil?

À sombra dessas torres em Goiânia, vislumbrei como o Brasil está mudando. Para inspiração, os brasileiros olharam para a França, o berço do Art Déco. Mas ao caminhar em Goiânia, encontrei estabelecimentos como o China Construction Bank, refletindo os laços comerciais que ligam a fazenda brasileira à economia global.

Na mesma rua, os patrões fluíram para o deslumbrante Detroit Steakhouse. O restaurante não parece estar se esforçando para associações com a cidade americana conhecida pela praga (e, sim, ressurgimento), mas sim o positivo, pode fazer onda que os Estados Unidos ainda detêm para muitas pessoas no Centro-Oeste do Brasil.

Ainda assim, não pude deixar de me perguntar como seria Goiânia se tivesse preservado mais de suas primeiras criações arquitetônicas. Poderia se assemelhar a Asmara, a capital da Eritréia fechada no Corno de África, conhecida pelos seus bens preservados tesouros Art Déco construídos pelos ocupantes italianos nos anos 30? Ou como um Miami Beach nas savanas do Brasil?

De qualquer maneira, Goiânia, com apenas 80 anos de idade, ainda está segurando alguma história. A praça principal do centro é nomeada oficialmente pelo Sr. Corrêa Lima, o arquiteto. Mas a maioria das pessoas a chama de Praça do Bandeirante, depois dos exploradores paulistas que entraram no sertão em missões de caça de escravos.

O Brasil procurava mitos em 1942, quando as autoridades revelaram a estátua de Bartolomeu Bueno da Silva, um bandeirante do século XVIII. Até hoje ele é mais conhecido como Anhanguera, “Velho Diabo” na língua indígena Tupi, um nome evocando os métodos brutais conquistadores utilizados para tomar posse das terras em que Goiânia foi construído.

Clique aqui para ler o texto original. 

 

Foto: Simon Romero/The New York Times