Longa-Metragem goiano marca presença na Sessão Vitrine Petrobrás

Trajetória da luta indígena está em pauta no premiado documentário Taego Ãwa

Yasmim Fleury
Por Yasmim Fleury
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Longa dos irmãos Henrique e Marcela Borela estreia em circuito comercial rompendo uma paralisia de 20 anos de obras audiovisuais goianas sem distribuição. A obra ainda leva para tela uma discussão que se amplia nas contingências sociais em disputa no Congresso Nacional.

Os irmãos cineastas Henrique e Marcela Borela se depararam com um material digno de roteiro de filme, e assim o fizeram. No documentário “TAEGO ÃWA”, que estreia dia 11 de maio pela Sessão Vitrine Petrobras, registros recentes se misturam a imagens antigas dos índios Ãwa. O longa chega ao circuito comercial após um hiato de 20 anos. TAEGO ÃWA é o primeiro filme goiano, em duas décadas, a receber um convite curatorial de uma distribuidora, por sua relevância temática e estética.

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Taego Ãwa conta a história dos índios Ãwa, mais conhecidos como Avá-Canoeiros do Araguaia. A obra, dirigida pelos irmãos Henrique e Marcela Borela e realizada pelas produtoras goianienses Barroca e F64 Filmes, levou aproximadamente 12 anos para ficar pronta e teve início quando fitas VHS, que por anos ficaram perdidas no acervo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Goiás, foram encontradas pela então estudante Marcela Borela. Depois de pronto, o filme encontra reverberação em um contexto político de reinvindicação de direitos sociais de povos originários sobre a terra. Uma disputa que transcorre neste momento na capital do país, a exemplo do Acampamento Terra Livre e a canção de protesto “Demarcação Já”.

É assim que tem início a trajetória de circulação de uma obra cinematográfica que pretende ser mais que um objeto de apreciação de uma cultura distante. Os irmãos Marcela e Henrique Borela apresentam TAEGO ÂWA como um tratado em prol da demarcação do território dessa nação indígena, que desde o século XVI vive em contínua fuga e luta pela própria sobrevivência e liberdade, física e simbólica.

Depois de passar, com efetiva atenção, por Festivais nacionais e internacionais como o 38º Cinema du Réel – Festival du Film Documentaire em Paris (o mais antigo festival de documentários do mundo), a Mostra de Cinema de Tiradentes (Mostra Aurora), o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (Mostra O Mundo na Política e Política no mundo), além da 32a Bienal Internacional de Arte de São Paulo, Taego Ãwa será exibido ao público de pelo menos 20 (vinte) cidades brasileiras, permanecendo em cartaz por no mínimo duas semanas, em cada uma delas. O Cine Cultura, em Goiânia, faz parte desse circuito.

 

Os ÃWA releem o próprio passado

Mais de 40 anos depois do contato forçado feito pela Funai, em 1973, a família Ãwa do Araguaia, guiada por Tutawa Tuagaèk Jamagaèk Ãwa – líder xamã falecido em junho de 2015 – mostra no filme Taego Ãwa a força de sua cosmovisão Tupi-Guarani. Na obra, dirigida e roteirizada pelos irmãos Henrique e Marcela Borela, os indígenas formulam um olhar crítico sobre o passado, que se junta à luta pela terra e à afirmação da identidade Ãwa.

Marcela Borela comenta: “Nossa primeira intuição foi primeiro a de não filmar mas sim mostrar aos Ãwa o conjunto de informações e conteúdos que vínhamos juntando sobre suas histórias. Aquelas pessoas tinham sido filmadas demais e fotografadas demais, numa redoma de um discurso de extinção, invisibilidade e animalidade que nos chocava. De certa maneira, carregávamos uma revolta. Descobrimos que eles estavam reivindicando Taego Ãwa, a terra tradicional, depois de 40 anos de silêncio. Foi em uma primeira visita à Ilha em 2011. Ali propusemos o filme, mas eles estavam desconfiados. Estavam sofrendo retaliações por estarem encorajados em voltar à terra.”

O irmão, Henrique Borela, completa: “Seis meses depois da nossa primeira visita, os Ãwa entraram em contato conosco e disseram que eles queriam que o filme fosse feito. Aí nós fomos novamente à Canoanã, na Ilha do Bananal, em 2012, quando tratamos do filme e de como ele seria. Decidimos ali que seria sobre a terra, que se chamaria Taego Ãwa e que partiria da relação com os arquivos, que era a forma como os conhecemos em primeiro lugar. Eles nos entregaram um documento que nos autorizava a garimpar o que existisse de imagem ou informação de arquivo sobre eles. Foi o que fizemos.”

No filme, os protagonistas indígenas falam pela primeira vez, e abertamente, sobre seu passado, presente e futuro.

 

Contexto político nacional

No longa-metragem, o grupo Avá-Canoeiro do Araguaia narra sua trajetória de desterro, cativeiro e luta pela reconquista de sua terra tradicional, também chamada Taego Ãwa – que leva o nome da primeira mulher de Tutawa, Taego, que é mãe de Kaukama – ela que por sua vez é mãe, avó e bisavó de todos os Avá-Canoeiro do Araguaia que nasceram após o contato de 1973. No contato, realizado pela FUNAI, os Ãwa foram retirados à força da Mata Azul e depois foram enjaulados e expostos para visitação pública. Boa parte do grupo morreu de doenças alheias. Os remanescentes acabaram entregues aos Javaé – ocupantes de uma terra vizinha ao território Avá-Canoeiro. Tutawa, capturado ainda jovem pela frente de atração da Fundação Nacional doÍndio (Funai), morreu em 2015 sem ao menos ter o direito de ser enterrado no último refúgio de seu povo antes do trágico contato: o Capão de Areia.

A Terra Indígena Taego Ãwa, que aguardava demarcação do Ministério da Justiça desde 2012, teve portaria declaratória publicada e homologada pela então presidente Dilma Rousseff, pouco antes dela ser afastada de suas atividades, no dia 12 de abril de 2016. Na ocasião da demarcação da TI Taego Ãwa, ocorria o 13º Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília (DF), organizado pela Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que se repete em 2017, como o maior encontro pelos direitos constitucionais dos povos indígenas no Brasil.

Com o afastamento de Dilma em 2016, e em virtude do contexto político instável, o território passa a sofrer novamente forte retaliação de latifundiários e posseiros, além de correr risco de ter sua portaria declaratória sustada. Corre no Congresso Nacional um Projeto de Decreto Legislativo (PDL), sob lobby ruralista, que tenta cancelar a demarcação do território dos Avá-Canoeiro. 

“Alterar a Portaria Declaratória nesse momento seria um retrocesso enorme depois de todo o esforço que foi feito para que a Funai revisse a grande injustiça e violência feitas contra os Avá-Canoeiro. A portaria declaratória foi o mais importante passo até agora de reparação e justiça por parte do Estado Brasileiro em relação aos Avá-Canoeiro, que foram vítimas de uma tentativa de genocídio pela sociedade nacional. Revê-la agora seria dar continuidade a esse processo histórico e violento de genocídio”, afirma a antropóloga Patrícia de Mendonça Rodrigues, responsável pelo relatório de demarcação de Taego Ãwa. O alerta da cientista reverbera o que está em jogo na edição do Acampamento Terra Livre em 2017.

 

Outras opiniões sobre o filme TAEGO ÃWA

“Três filmes para se repensar a luta do índio por seu lugar na sociedade e no cinema. Em um festival que começou com a sessão do seminal Serras da Desordem, de Andrea Tonacci, passou pelo filosófico Índios Zoró, Antes, Agora e Depois? e culminou com o revelador Taego Ãwa, a questão indígena e seus espaços em conflito esteve em consonância perfeita com o tema da Mostra de Tiradentes 2016. (…) Juntos, os três longas traçam um panorama complexo sobre o passado, o contato muitas vezes nocivo e imposto com os brancos  e uma possibilidade de futuro mais promissor, após o apocalipse que a imensa maioria das etnias indígenas do Brasil passou ao longo dos séculos. (Flávia Guerra, para Carta Capital. Fevereiro de 2016)

“A situação de permanente injustiça política e agressão real e simbólica parecem resultar, no campo da exploração artística, numa certa timidez no tratamento, um excesso de chapa branca, que coloca a batalha estética em segundo plano. Isto posto, é flagrante que Taego Ãwa se alinhe com as exceções a esta tendência.” (Juliano Gomes. Da importância da imagem selvagem. 31 de janeiro de 2016. Revista Cinética)

“É comum o documentário histórico utilizar a construção artística na intenção de se tornar, ao longo do tempo, um registro do tema escolhido e do tempo em que foi produzido. Taego Ãwa, ao contrário, apropria-se de registros anteriores sem intenção artística para transformá-los em obra de arte.” (Bruno Carmelo, para o site Adoro Cinema)

“Taego Ãwa está longe de ser um documentário expositivo, no sentido informacional, sobre a luta dos Avá, fazendo com que o espectador leigo sobre o tema sinta uma lacuna forte de compreensão da situação, e essa também parece ser a proposta do filme..(…) O documentário de Marcela Borela, nos fornece provocações, não respostas, e nesse mesmo ponto encontra sua força poética-política.” (Inana Sabino. Resistência dos Avá por Taego Ãwa. Para FINCAR – Festival Internacional de Cinema de Realizadoras).

“A violência histórica brutal sofrida pelos Avá-Canoeira do Araguaia está implícita nas imagens que são manuseadas com mestria e de forma arrebatadora pelos jovens diretores, misturando cenas contemporâneas feitas pelos mesmos com imagens de diferentes épocas e autores”. (Patrícia de Mendonça Rodrigues, PhD em Antropologia, para Revista Porantim, outubro de 2016).

 

TAEGO ÃWA – Fontes de sua consistência

O documentário Taego Ãwa tem direção de fotografia de Vinicius Berger, câmera adicional de Carlos Cipriano, som de Belém de Oliveira, montagem de Guile Martins, produção executiva de Belém de Oliveira e Marcela Borela, direção de produção de Camilla Margarida, produção de Carlos Cipriano, produção associada de Luana Otto, além de direção e roteiro de Henrique Borela e Marcela Borela. O filme foi viabilizado através do Edital de Fomento ao Documentário Brasileiro da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, Longa.Doc 2013. A obra foi realizada pela Barroca e F64 Filmes, produtoras de cinema de Goiânia, em parceria com a Associação do Povo Ãwa – APÃWA, da Cinemateca Brasileira, do NPD-GO – Núcleo de Produção Digital de Goiás, do Instituto Federal de Goiás – Câmpus Cidade de Goiás, da Balaio Produções, tendo como produtora associada Luana Otto, e da Ideia Produções.

 

SINOPSE: 5 fitas VHS encontradas no armário de uma faculdade disparam o desejo desse filme. Anos depois, munidos de mais registros, vamos ao encontro dos Ãwa na Ilha do Bananal. Levamos conosco a memória do desterro ao qual foi exposto o povo Tupi que mais resistiu à colonização no Brasil Central.  As imagens foram vistas, sentidas e mais imagens surgiram desse encontro em meio à luta por Taego Ãwa.

 

Prêmio e Festivais

  1. 19ª FICA – FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA AMBIENTAL – Melhor Filme pelo Júri Popular e Melhor Produção Goiana
  2. VII CACHOEIRA.DOC, MOSTRA COMPETITIVA DE LONGAS E MÉDIAS METRAGENS – Melhor Filme de Longa-metragem pelo Júri Oficial
  3. 19ª MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES – Seleção Oficial Mostra Aurora
  4. 38º CINÉMA DU RÉEL – FESTIVAL DU FILM DOCUMENTAIRE – First Film Competition
  5. FINCAR – FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA DE REALIZADORAS
  6. 2º PIRENÓPOLIS.DOC, FESTIVAL DO DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO – Filme de Arbertura
  7. 49º FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO – Mostra A Política no Mundo e o Mundo na Política
  8. 12º BRÉSIL EN MOUVEMENTS, SÉANCE ACCES A LA TERRE
  9. 20º JIHLAVA INTERNATIONAL DOCUMENTARY FILM FESTIVAL
  10. 32º BIENAL INTERNACIONAL DE ARTE DE SÃO PAULO
  11. FORUMDOC.BH 20 ANOS – FESTIVAL DO FILME DOCUMENTÁRIO E ETNOGRÁFICO
  12. 8a SEMANA DOS REALIZADORES
  13. XII PANORAMA INTERNACIONAL COISA DE CINEMA DA BAHIA
  14. MOSTRA CORPOS DA TERRA – IMAGENS DOS POVOS INDÍGENAS NO CINEMA BRASILEIRO – Filme de Abertura

 

Sobre os diretores:

Henrique Borela e Marcela Borela são irmãos. Ele tem 27 anos e nasceu em Goiânia e ela tem 33 e veio pequena pra cidade com a família, que saiu de Araguari-MG. Formado em ciências sociais pela UFG, Henrique vive e trabalha em Goiânia, é realizador cinematográfico, pesquisador, curador e produtor cultural. Desde 2006, trabalha com cinema, exercendo diversas funções dentro da cadeia produtiva. Assinou a direção e roteiro de cinco curtas-metragens, entre os quais se destacam: Ainda que se movam os trens, de 2013, e Sob Nossos Pés, 2015, realizados em codireção com Marcela Borela e Vinicius Berger – e Porfírio, também de 2015. Marcela é realizadora audiovisual, pesquisadora, professora, curadora e gestora de projetos cinematográficos. Vive e trabalha na Cidade de Goiás. Antes de formar-se em comunicação social, escolheu o cinema quando participou de um set como figurinista. Desde 2004, reúne experiências em diferentes áreas do audiovisual e realizou cinco curtas como diretora e roteirista, além de um média, Mudernage, exibido na rede pública brasileira de TV, em países da América Latina e na China. Marcela tem especialização em história cultural pela UFG e mestrado em história pela mesma universidade. Foi diretora e curadora do Cine Cultura – Sala Eduardo Benfica, em Goiânia, entre 2011 e 2013, e hoje é professora no IFG – Instututo Federal de Eduação, Ciência e Tecnologia de Goiás – Câmpus Cidade de Goiás. Henrique e Marcela são diretores do Fronteira – Festival Internacional do Filme Documentário e Experimental que vai para sua 4a edição em 2018, juntamente com Camilla Margarida e Rafael Parrode – o festival realizado pela Barroca, empresa brasileira de produção independente.

 

Sessão Vitrine e o cinema autoral brasileiro

Com a Sessão Vitrine Petrobras, um dos principais projetos de cinema patrocinados pela Petrobras no ano de 2017, o objetivo da Distribuidora Vitrine Filmes é viabilizar a circulação coletiva de filmes nacionais, incluindo coproduções internacionais, levando para as telas de todo o Brasil um recorte da produção audiovisual contemporânea. Com o intuito de levar ao público um cinema de qualidade, original, que retrata a cultura do país e que se destaca nos principais festivais brasileiros e internacionais, a SESSÃO VITRINE fomenta uma relação entre o espectador e o evento de ir ao cinema, através de lançamentos e sessões com debates, investindo na formação de novas plateias e fortalecendo o circuito audiovisual como um todo. A proposta curatorial do projeto é feita priorizando filmes brasileiros e coproduções internacionais que despertem interesse no público, seja pela inovação do seu processo criativo, pelo seu viés autoral ou pela sua qualidade e originalidade ao se posicionar propositivamente diante de aspectos da nossa cultura. 

 

A exibição dos longas começou em fevereiro, com programação contínua e lançamento de um novo filme a cada duas semanas, com pré-estreias com diretores e debates. O preço das sessões foi estabelecido em no máximo R$ 12,00 (inteira).

 

Foto Capa: Divulgação