Conheça o Caminho de Goiás, a estrada que separava Vila Boa de Goiás do Rio de Janeiro

Continha uma extensão total de 1.596 km, desde Vila Boa de Goiás até o Rio de Janeiro, e levava 3 meses para ser completada.

Júlia Marreto
Por Júlia Marreto
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Há pouco, tivemos a notícia de que, em março deste ano, será inaugurado o Caminho de Cora Coralina, uma trilha que percorre 282 km, desde Corumbá de Goiás, passando por Pirenópolis, Jaraguá, Itaguari, Itaberaí e terminando na antiga Vila Boa de Goiás.

Muito antes desse caminho ser traçado, pelos idos do século 18, o Caminho de Goyaz, também conhecido como Estrada do Anhanguera, foi estabelecido como uma ramificação das Estradas Reais [Caminho Real do Sertão], por conta da expansão da mineração, especialmente de ouro, pelo Brasil adentro. O início de tal desbravamento, no que viria a se tornar a capitania de Goiás em 1748, pelo sertão da região.

Para se ter ideia da importância desse caminho/estrada, no ano de 1720, a Coroa Portuguesa declarou pena de morte para aqueles que abrissem qualquer outro caminho entre Minas Gerais e Goiás. Essas determinações só foram retiradas em 1733 e 1758.

Começando por Vila Boa de Goiás, uma rede de estradas irradiava em 5 direções distintas.

Sendo que o primeiro: seguia a direção sul-sudeste, passando por Mogi e fazendo ligação com São Paulo, seno o primeiro caminho oficial da região, chamado Caminho de Goyazes.

A segunda: para leste depois para o sul, passando por Paracatu (MG) até a capitania do Rio de Janeiro (RJ), esse caminho era conhecido como Picada de Goiás.

A terceira: indo em direção oeste, passando por Cuiabá até Vila Bela, na capitania de Mato Grosso, conhecida como Estrada do Cuyabá.

O quarto: levava a todos os arraiais do norte de Goiás, chamado de Estrada do Norte.

Já o quinto: era a Estrada da Bahia ou Caminho dos Currais, em direção leste e depois norte, passando por Couros e São Domingos até Salvador.

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Mappa dos Sertões que se comprehendem de Mar a Mar entre as capitanias de S. Paulo, Goyazes, Cuyabá, Mato-grosso, e Pará (1766-1775). Reprodução da internet.

CAMINHO DE GOYAZES

A estrada iniciava em São Paulo e Santana de Parnaíba, indo em direção a Jundiaí. De lá, partia em direção ao norte, cruzando os rios Atibaia, Jaguari, Mogi, Pardo, Sapucaí e Gravataí (no atual estado de São Paulo) das Velhas, Paranaíba, Corumbá, Meia Ponte e Claro. Depois de passar pelo Rio Grande, passava também pela atual região de Uberaba, cruzando o Triângulo Mineiro e atual sul goiano, até chegar na terra dos índios Goiazes. Com a mudança da corte para o Rio de Janeiro, esse caminho acabou se prolongando. Vale lembrar que, naquela época, as regiões que hoje compreendem os estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás possuem origens convergentes.

Ao longo de todo o caminho, haviam pequenas ocupações, com a propagação da descoberta de ouro em terras atualmente goianas, essas ocupações começaram a crescer cada vez mais, através da concessão das sesmarias e legalização de antigas ocupações. Além disso, em primeiro momento, também começou a ser ocupado por pouso que servia aos transeuntes que iam e voltavam das minas em Goiás.

De acordo com o historiador Nestor Goulart Reis Filho, em O caminho do Anhanguera:

De início as mercadorias eram transportadas por carregadores indígenas, como seria o costume nos caminhos entre São Paulo e São Vicente e entre Curitiba e Paranaguá. (…) Para atender às novas demandas, o tráfego irregular dos carregadores indígenas foi substituído pela circulação de tropas de muares, organizadas em comboios de comerciantes. As trilhas foram melhoradas, os percursos simplificados. Onde foi possível, estabeleceram-se propriedades rurais para abastecimento e abrigo de viajantes. Era, portanto, uma linha de comércio que do Rio de Janeiro e São Vicente se ligava a São Paulo, Santana de Parnaíba e Jundiaí e desta aos sertões de Goiás.

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Rota do Caminho de Goyazes, tracejada em cor vermelha, no mapa de 1766-1775, georreferenciado. Reprodução da internet.

PICADA DE GOYAZ

Quando em 1772, José de Almeida Vasconcellos Soveral e Carvalho, também conhecido como Barão de Mossâmedes, veio tomar posse como governador da Capitania de Goiás, saiu da cidade do Rio de Janeiro até Vila Boa. Percorrendo o caminho de Minas [Picada de Goiás], chegou a Capitania de Goiás por Arrependidos, entre os rios Preto e São Marcos. Partindo de Arrependidos, foi para Contagem de São Bartolomeu, em busca de Luziânia. Desta foi em direção a Pirenópolis, de lá para o rio Ponte Alta, no sudoeste do Distrito Federal, e então chegando a Santo Antônio dos Montes Claros. Logo depois, buscando Pirenópolis a oeste, seguiu o rio dos Macacos, rio Areias e rio Corumbá até chegar em Meia Ponte, a caminho de Vila Boa.

A mando do Barão de Mossâmedes, Thomas de Souza criou a Carta de Goiás [ou Mapa dos Julgados], no qual representava as fronteiras da Capitania de Goiás, dividindo-a em 13 Jugados; o relevo e a rede hidrográfica da região; a capital; os arraiais com freguesia, sem freguesia, aldeias e estradas que cruzavam a região. Na Carta estavam representados três caminhos que se encontravam em Meia Ponte, lá unificados seguiam até Vila Boa de Goiás e, depois, até Cuiabá [Estrada do Cuyabá].

  • A primeira, mais ao sul, iniciava em São Paulo, passando por Santa Cruz, Bonfim até chegar em Meia Ponte [Caminho de Goyazes].
  • A segunda partia do Rio de Janeiro, passava por Paracatu, Arrependidos, Santa Luzia, Ponte Alta, ao sudoeste do Distrito Federal, Santo Antônio dos Montes Caros, Macacos, Corumbá e Meia Ponte [Picada de Goiás].
  • A terceira vinha da Bahia, indo até o atual Distrito Federal, pelo extremo oeste [Couros], cortava a região da Vila do Mestre d’Armas, passado por Sobradinho, São João das Três Barras, Chapada da Contagem até chegar em Meia Ponte [Caminho dos Currais e da Bahia].

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Rota da Picada de Goiás, tracejada em cor azul escuro, no mapa de 1766-1775, georreferenciado. Reprodução da internet.

ESTRADA DO CUYABÁ

As Capitanias de Goiás e Mato Grosso foram criadas simultaneamente, não à toa, possuem similaridades e entrelaçamentos de arquitetura política e administrativa, demonstrando um mesmo fim: as intenções de Lisboa em efetivar suas conquistas territoriais. Para Fernando Lobo Lemes:

Num primeiro momento, as minas de Goiás oxigenam a região do Mato Grosso, imprimindo novo alento às minas do Cuiabá, ao servir de caminho terrestre alternativo à rota fluvial, única ligação existente com a cidade de São Paulo. O trajeto das monções, como eram conhecidas as navegações fluviais em direção ao oeste da América, era realizado através de rios que faziam a ligação de São Paulo a Cuiabá, com inúmeros perigos e dificuldades, numa viagem com duração média de cinco a seis meses. Esse percurso foi substituído pelo caminho terrestre aberto entre Vila Boa de Goiás e Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá.

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Rota da Estrada do Cuyabá, tracejada em cor laranja, no mapa de 1766-1775, georreferenciado. Reprodução da internet.

ESTRADA DO NORTE

Ligava Vila de Santos (SP) a Cuiabá (MT), e a rota terrestre que, subindo ao norte, chegava a Descoberto do Carmo, onde se encontravam o Caminho de Goyazes, Estrada do Cuyabá e Estrada do Norte.

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Rota da Estrada do Norte, tracejada em cor azul claro no mapa de 1766-1775, georreferenciado. Reprodução da internet.

CAMINHO DOS CURRAIS E BAHIA

Esse caminho começava na Estrada do Cuyabá, em direção a Vila Bela da Santíssima Trindade, assim, cortando a América Portuguesa. Para o historiador Paulo Bertran:

A estrada de Salvador vinha pelo sertão baiano e dava ao viajante do Século XVIII a escolha de atravessar o rio São Francisco ou em Carinhanha-BA ou por São Romão – MG. No primeiro caso entrava no Planalto pelo registro de Santa Maria, no segundo, pela Lagoa Feia, unindo-se ambas em Formosa [Couros]. Dali prosseguia para a contagem de São João, Meia Ponte, Vila Boa de Goiás, Cuiabá e Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital do Mato Grosso, aos pés do rio Guaporé, divisando a fronteira boliviana, a mais ocidental povoação portuguesa a confrontar os domínios de Espanha no Século XVIII. Estendia-se por cerca de 2,8 mil quilômetros e, enquanto jorrou ouro em Goiás e Mato Grosso, constitui-se na principal estrada mercantil do país por léguas transpostas.

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Rota do Caminho dos currais e Bahia, tracejada em cor marrom, no mapa de 1766-1775, georreferenciado. Reprodução da internet.

Informações retiradas de:

Artigo: O Caminho de Goiás e as ligações comerciais entre o Nordeste Paulista, Triângulo Mineiro e Sul de Goiás, de Paulo Roberto de Oliveira

Artigo: Os itinerários da rede de caminhos de Vila Boa de Goiás no século XVIII, de Lenora de Castro Barbo e Rômulo José da Costa Ribeiro 

Livro: Viagem pela Estrada Real dos Goyazes, de Deusdedith Rocha Junior, Wilson Vieira Júnior e Rafael Carvalho Cardoso.

Imagens retiradas de: Os itinerários da rede de caminhos de Vila Boa de Goiás no século XVIII, de Lenora de Castro Barbo e Rômulo José da Costa Ribeiro / reprodução da internet

Capa: Pousadinhas / reprodução da internet